ABORTO — Algumas perguntas para a classe médica

Texto originalmente publicado em 01 de abril de 2018 no extinto Medium deste Projeto.

Por Marina Nothaft Romano*

– Acho que posso estar grávida.

– Quer fazer o teste?

– Sim.

– Mas o que você vai fazer se der positivo?

– Isso não pode acontecer, doutora.

– Sim, pode. Lembra? Você está em risco. O que você pensa em fazer caso confirme a gravidez? Precisamos pensar nessa possibilidade antes de fazer o teste.

– Eu não quero! Vou tirar!

O momento da decisão. O momento de definir se vou tentar fazer o mesmo que faço com todas outras que procuram minha ajuda, ou se, por algum motivo — que ainda não consigo entender perfeitamente- vou me calar.

Quando uma mulher confirma uma gravidez indesejada, um turbilhão de ideias e sentimentos se misturam dentro dela e geram um estado de desequilíbrio. Se a classe médica se compromete a tentar ajudar as pessoas a resolver seus desequilíbrios, por que em algumas situações ela resolve se abster ou, ainda pior, julgar e condenar?

O que acontece quando você se cala frente à possibilidade de um aborto? O que acontece quando você resolve julgar a decisão alheia ao invés de ajudar a reduzir os danos?

Mulheres morrem. Mulheres negras morrem. Mulheres negras, faveladas morrem.

Quando debatemos sobre o termo redução de danos ao falar de usuários de substâncias psicoativas, desejamos falar, simplificando, que não vamos focar na abstinência, e sim em tentar ao máximo reduzir os danos que aquela determinada ação pode gerar. Vamos falar sobre quais substâncias evitar misturar, sobre qual quantidade não usar de uma vez, e assim em diante. Não baseamos nosso discurso em: eu não uso, logo, você não deve usar pois isto é errado e faz mal à saúde — até porque entendemos que este discurso é irreal e não teria efeitos positivos nos tratamentos.

Então, por que, ao falar de aborto, decidimos impor sobre as mulheres o que nós achamos certo ou errado?

O que muda na nossa lógica médica para não tentar ao máximo reduzir os danos daquela ação? Por que escolhemos usar o discurso hipócrita que diz: acho que você não deveria fazer isto?

O que nos faz calar diante da morte de mulheres dia após dia?

Que medo é esse que temos para falar sobre esse assunto? Que medo é esse de orientar para a melhor opção caso ela decida abortar? Que medo é esse de sinalizar o que ela deveria fazer em cada situação-problema que pode aparecer?

Será medo ou será o teu julgamento te impedindo de exercer tua própria profissão?

Marina Nothaft Romano é médica especializada em saúde da família.