CHILE: PRIMEIRA CONSTITUINTE DO MUNDO COM PARIDADE DE GÊNERO

Por Nathália Oliveira*

Quando eu me reivindico uma entusiasta da potência latino-americana, não é só por viver à base de mate argentino, murga uruguaia e a brasilidade versada por Luiz Antonio Simas. É porque pulsa em nosso continente, covardemente explorado ao longo da História, uma energia transformadora que pode fazer muito mais pela humanidade se nós, latino-americanos, estivermos conscientes e unidos no projeto de um futuro mais justo e digno para nossos povos.

Ontem (25), se realizou no Chile uma consulta popular histórica em que, de uma só vez, o país deu um passo definitivo para longe dos horrores da ditadura de Augusto Pinochet, e um passo em direção à ideia de igualdade de gênero que todo país deve almejar.

O povo decidiu nas urnas que uma nova Assembleia Constituinte deve ser formada em um novo pleito em abril de 2021, deixando para trás a Constituição forjada sob uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina. Soma-se a esta, a decisão tomada em março deste ano no parlamento chileno de que, a próxima Constituinte que houvesse no país, seria, obrigatoriamente, uma assembleia com paridade de gênero, ou seja, formada por 50% de mulheres e 50% de homens. Com isso, o Chile se torna o primeiro país do mundo a realizar um processo constitucional com participação igualitária de homens e mulheres em sua comissão. De acordo com este estudo da Inclusive Secutiry, entre 1990 e 2015, 75 países passaram por processos de reforma constitucional e apenas 20% dos participantes destes processos eram mulheres.

E os créditos desta conquista histórica devem ir diretamente para elas: as mulheres chilenas que tomaram para si o protagonismo nas manifestações que eclodiram no país em 2019. Aqueles protestos a que todos assistimos admirados, e também assustados com a violência policial orquestrada pelo ainda presidente, Sebastián Piñera. Quem não se lembra do “Un violador en tu camino”?

A performance coletiva de feministas chilenas ganhou o mundo e foi reproduzida em diversos países, inclusive no Brasil. Esse ato nas ruas é só uma demonstração da eficiência dessas mulheres que, organizadas e focadas em pautar os direitos femininos, conseguiram fazer com que fosse impensável formar uma Constituinte que não levasse em conta a paridade de gênero. Pressão popular e luta trazem resultado, sim, manas.

E por que a paridade de gênero é tão importante em uma Assembleia Constituinte? A resposta óbvia é que não há como garantir uma representação democrática que não leve em conta 50% da população de um país. Mas há outras razões.

Existem as “lacunas de dados de gênero”, que é um nome bonito para: “se você só tem macho na sala, como as questões femininas vão ser lembradas e abordadas?”. E quando falo questões, falo em problemáticas que atingem diretamente as mulheres, reparações históricas e outros pontos que são invisibilizados.

Não sou ingênua a ponto de negar que a geopolítica mundial nos leva a estar mais informados sobre os debates circenses de Trump x Biden, do que sobre eleições na Bolívia, por exemplo. Existe também um afastamento muito problemático do Brasil em relação aos países vizinhos… Mas isso é papo para outro texto. O que quero chamar a atenção aqui é: existe uma movimentação de avanços significativos na América Latina hoje e devemos estar atentas a ela para nos apropriarmos desses avanços e, acima de tudo, para protege-los de rompantes autoritários e imperialistas, como já vimos acontecer no passado. A América Latina é criativa, é inovadora, é antiga e sábia, está viva e você também faz parte disso.

Aproprie-se de sua latinidade. Gostoso demais.

Nathália Oliveira vive de contar histórias e é a criadora deste projeto. @anath.oliveira