conto da quarentena #7

Por Julia Santalucia*

Não vejo mais piada em cozinhar pela milésima vez aquele macarrão com molho vermelho — minha especialidade. Já incluí azeitonas pretas, brócolis, queijos diferentes, salsinha, mas parece que tudo sabe a mesma coisa. A rotina, será? O menu precisa de atualização, de novos pratos do dia, de tempero que vem de outras mãos, de feijão e arroz e diferentes combinações.

As chamadas de vídeo, até essas que eu tanto me encantei no começo disso tudo, perderam um pouco o brilho. Às vezes não apetece falar, ou mostrar o cabelo desgovernado, ou aquele pijama listrado. Às vezes apetece o silêncio de um quarto escuro. E ouvir o próprio silêncio em tempos de pandemia…é internalizar ruídos que cutucam fundo.

Até meus cachos, que secavam cada dia de um jeito, ganharam um formato previsível. Ficam parecidos todos os dias. É que o vento molda os fios pra um lado e pra outro, a rua puxa pra um lado e pra outro, as pessoas guiam pra um lado e pra outro, a cidade acontece e leva a gente pra cá e pra lá. Mas isto parou. Ficou tudo meio igual, como uma espiral do tempo em que todo o dia, antes de ser uma segunda ou uma quinta, é só um dia.

Chove em Lisboa. É domingo, um dia que eu aprendi a respeitar, mas que sempre vejo como um bocado sombrio. É a morte da semana. O céu está nublado, um cinza-branco com uma textura única de algodão. Está bonito, sim, mas é uma beleza sussurrada. Não traz a balbúrdia do sol. O tempo como o de hoje diz “pode sair dessa varanda, miúda, porque nada vai acontecer aqui. Volta pra dentro e escuta o que aí se esconde”. Escuto o tempo, volto, e aqui estou, comigo.

Lembrei de um dia de sol em que meu pulso carregava estrelas. Passei um tempo olhando as sombras cadentes passeando pelo meu braço. É bonito ver o que a gente enxerga quando vive o mesmo após o mesmo. Tive saudade deste encantamento. Pego o celular e observo a meteorologia. A previsão para os próximos dias é de tempestade. Lá fora e aqui.

Este conto foi originalmente publicado no Medium da autora. Você pode conferir a série completa de contos da quarentena neste link.

Julia é escritora, criadora da @papelparalelo e vive em Lisboa. @jusantalucia