Criatividade, substantivo feminino
Por Nathália Oliveira*
Você também acha que “criativa” é só aquela sua amiga designer descolada que tem um feed de Instagram perfeito e roupas que ficariam ridículas em você, mas nela ficam foda? Ou que “criativa” é aquela galera tatuada do escritório que cola um monte de papel nas paredes (e chama de “referências”) e tira foto agachado em qualquer lugar (inclusive no escritório)?
Nada contra essas pessoas, tá? Acho até que me incluo um pouco nesse grupo. Mas acontece que criatividade é um termo abrangente e bastante menosprezado por nós, seres humanos, toda vez que achamos que ele só se refere a pessoas com óculos de armação grande e lentes coloridas.
Grande Magia – Vida Criativa Sem Medo é um título um pouco ruim porque não existe vida sem medo, quem dirá vida criativa sem medo. Mas não vamos julgar o livro pela capa.
Elizabeth Gilbert, autora do best-seller Comer, Rezar, Amar, fez um ensaio reflexivo sobre a criatividade e, apesar de não concordar com algumas visões da autora sobre a vida profissional artística e outros pontos, eu passei o tempo todo da leitura pensando que este é um livro que só poderia ter sido escrito por uma mulher do século XXI.
Ela começa falando sobre o medo, peça-chave e de sustentação da discussão feminista do nosso tempo. Somos mulheres e, por isso, temos muitos medos. Feministas são mulheres que levantam suas vozes apesar do medo e falam sobre todos os aspectos do medo abertamente, como Elizabeth o faz. Não que ela se declare feminista em algum lugar do livro (talvez sim, não lembro) e claro, esse não é o tema central, mas quando a discussão sobre o medo que existe nas mulheres ganha espaço, um livro sobre criatividade escrito por uma mulher ganha relevância e tem razão de existir. Porque a criatividade é o enfrentamento do medo.
Mais ou menos na metade do livro, Gilbert fala sobre o perfeccionismo e como ele pode ser um impedimento para a criatividade ou uma bela desculpa para não sair do lugar. Nesse ponto, ela coloca uma coisa importante, mas com uma cautela desnecessária, como se estivesse com medo (olha ele aí!) de falar a verdade nua e crua.
Ela diz: “Muitas mulheres ainda parecem acreditar que não têm direito a se pôr em evidência a menos que elas e seus trabalhos sejam perfeitos […]. Gostaria que mais mulheres assumissem o risco de dar a si mesmas esse voto de confiança.”. É isso, mas não é bem isso, né Gilbert?
Existe todo um sistema de opressão que impede que mulheres assumam o risco de se lançarem na vida criativa. Para não ser totalmente injusta com a autora, mais abaixo, na mesma página ela faz uma breve ressalva: “É claro que sei de onde tiramos essa noção: de absolutamente todas as mensagens que sempre nos foram transmitidas pela sociedade!”. Ok, mas só isso? Uma frase, ainda que ela use as palavras “absolutamente” e “sempre” é pouco para falar sobre o abismo de diferenças que existe entre um homem se jogar na vida criativa e uma mulher fazer o mesmo. Assim como entre uma mulher branca e uma mulher negra. Escorregou aí, Gilbert. Sinto te informar.
De qualquer forma, Grande Magia é um livro que traz reflexões interessantes sobre o nosso entendimento da criatividade e todos os estereótipos consolidados em torno do tema. Se tem uma coisa que o livro faz bem é tirar o criativo do pedestal e usar esse adjetivo de forma horizontal, para todas, e todos, e todes. Isso é libertador.
E nos tempos em que vivemos, nenhuma palavra orna melhor com “libertador” do que a palavra “feminismo” e por isso, Grande Magia trata sim de um tempo em que o feminismo está em alta, conquistando espaço, quebrando barreiras e telhados de vidro para que nós, mulheres criativas, possamos passar.
Minha mais sincera gratidão às envolvidas.