Desabafo de uma atriz negra que desistiu do audiovisual

Por Mariana França*

Fui mandar meu material para uma famosa agência e recebi a mensagem abaixo:

“Atualmente, o número de artistas que nos procuram dentro do seu perfil é muito grande em relação à demanda de trabalho, por conta disso lamentamos informar que não conseguiremos realizar seu agenciamento no momento.”

Eu sou uma atriz negra.

Tal agência deixa bem claro que o espaço para pessoas do meu tom de pele é restrito apesar de haver um número grande de atores se formando e entrando no mercado de trabalho.

Em um país onde somos mais da metade de negros autodeclarados, a representatividade na mídia não segue a mesma proporção. E não porque não há negrxs querendo ser atores e atrizes. É porque somos apenas uma cota que não pode crescer nas telas. Tá chato isso, tá foda.

É toda semana reclamando de algo nessa indústria. E sei que eu aqui reclamando e um cachorro abanando o rabo dá no mesmo. Tal agência quer manter uma cota de pretos, a publicidade, o cinema, as novelas, as séries também. Ter preta e gorda? Só se for para comédia, mas só uma ou duas, tá?

Negra tem que ter corpo bonito, ser o produto “tipo exportação”, mesmo que seja para fazer papel de empregada na novela. Mas vai que ela seja chamada para ser capa de revista no mês da Consciência Negra? Tem que estar com a academia em dia caso a Taís Araújo ou a Camila Pitanga não tenham agenda para fazer a sessão de fotos.

Eu tô farta disso. Cansei.

Não vou mais mandar material para nenhuma agência. Nem para curta metragem, nem para figuração, nem para atriz, para nada. Não trabalho há 20 anos como atriz com DRT tirado com muito custo para passar a vida sendo rotulada de perfil C ou D e ser figurante o resto da vida e ganhar um cachê desrespeitoso por 16 horas de trabalho.

Quem tem o poder de fazer alguma mudança não o faz. É cômodo. Somos apenas black money, carne barata no mercado, mas com moderação. Não dá para ter muito preto senão parece o filme Cidade de Deus.

Enquanto isso vejo de camarote: a chance de trabalhar em boas produções batendo na trave e amigos dentro do perfil prosperando na área – com todos os méritos, lógico, mas, devido ao seu tom de pele, tendo seus privilégios também.

Eu sou atriz, e sempre continuarei a ser, mas nos palcos, enquanto ainda me quiserem.

DESISTI.

Mariana é atriz da Cia. Os Satyros, diretora e produtora audiovisual.