E NOSSOS ASSASSINOS CONTINUAM SENDO ABSOLVIDOS — Lucía Pérez, presente!

Por Nathália Oliveira*

“A Lucía Pérez la mataron dos veces. La primera vez, los ejecutores directos; la segunda, quienes los absolvieron y así negaron que dos adultos que suministran cocaína para someter sexualmente una adolescente sean responsables de abuso y Femicidio.”
Comunicado do coletivo Ni Una Menos

O estopim para manifestações feministas que aconteceram a partir de 2017, incluindo a criação deste Projeto, foi a repercussão internacional do assassinato da adolescente argentina Lucía Pérez, que morreu aos 16 anos na cidade de Mar del Plata. A revolta contra o caso gerou o movimento Ni Una Menos e a 1ª greve geral de mulheres na Argentina.

Hoje, o tribunal de justiça da cidade de Mar del Plata – formado por três homens: Facundo Gómez Urso, Aldo Carnevale e Pablo Viñas – absolveu por unanimidade da acusação de abuso sexual e feminicídio os três suspeitos: Matías Farías, de 25 anos, Pablo Offidani, de 43, e Alejandro Maciel, de 61 anos.

Matías e Pablo foram condenados a oito anos de prisão e pagamento de multa por “porte de entorpecentes para fins de comercialização”.

Para estes juízes, quando UMA ADOLESCENTE APARECE MORTA em companhia de TRÊS HOMENS MAIORES DE IDADE que comercializavam drogas, o único problema é que estes homens comercializavam drogas.

O CASO

No dia 8 de outubro de 2016, Lucía Pérez foi deixada em uma emergência de hospital já à beira da morte. A primeira autoridade responsável pela investigação, María Isabel Sánchez, divulgou que a causa da morte de Lucía foi por violação sexual seguida de empalamento.

Na sentença de hoje, os macho-juízes definiram que não havia provas suficientes para a condenação por abuso e que as marcas no corpo da jovem não caracterizariam violência sexual.

A REVOLTA

Não temos como saber a verdade sobre o que aconteceu entre os três maiores de idade e a jovem Lucía (até porque, ela já não está aqui para contar a sua versão, não é mesmo?).

Mas um raciocínio simples pode nos ajudar a perceber como essa sentença é revoltante e como ela pode provocar um entendimento de que casos de feminicídio “não são tão graves” e que quem os pratica podem sair impunes.

Ainda que Lucía tenha ido encontrar os três maiores de idade e usado drogas por vontade própria, não podemos desconsiderar o fato de que ela era MENOR DE IDADE. E ainda que relações sexuais tivessem ocorrido por vontade dela, ELA ERA MENOR DE IDADE E APARECEU MORTA HORAS DEPOIS. Como esses fatos não são considerados sequer agravantes nesta sentença?

Sabe como? Eu explico:
A Justiça, especialmente aqui na América Latina, ainda não leva em consideração as dinâmicas machistas dentro da nossa sociedade. É uma Justiça (ou finge ser) alienada das opressões e violências impostas às mulheres.

Uma Justiça que não avança na mesma velocidade que a conscientização social e que, por isso, não permite que nossos avanços sejam materializados e consolidados para o futuro.

Quando você tem uma criança vítima de um crime é mais fácil de entender. A sociedade e a Justiça conseguem entender que uma criança é um ser mais frágil e, por isso, crimes cometidos contra elas têm nesta circustância o fator agravante.

Ora, a estrutura machista da sociedade patriarcal ainda faz de nós, mulheres, seres mais frágeis diante de todo tipo de violência. Logo, o fato de ela ser uma mulher, menor de idade, deve ser SIM um fator agravante a este tipo de crime.

AS CONSEQUÊNCIAS

A pior parte dessa história toda é sem dúvida a dor da família de Lucía, que como tantas outras, ainda não viu a justiça ser feita sobre a morte da jovem.

Mas as consequências deste tipo de desfecho pode ser algo de maior alcance. Com tantas lideranças conservadoras e machistas ascendendo no mundo todo, uma decisão como essa coloca mais lenha na fogueira que quer retroceder no tempo e nos queimar como as “bruxas” do passado.

A consequência do assassinato de Lucía foi o fortalecimento do movimento feminista e da união de mulheres em toda a América Latina. Essa é uma conquista oriunda de uma barbaridade que não será mais tolerada.

Então, mulheres, vamos nos agarrar com ainda mais força às mãos umas das outras. Vamos gritar ainda mais alto que uma Justiça que condescende com o machismo não será perdoada. Vamos reafirmar nossas conquistas e deixar bem claro que não nos calaremos!

Nenhuma a menos. Vivas nos queremos.

Lucía Pérez, presente.

Nathália Oliveira vive de contar histórias e é a criadora deste projeto.
@nattholiveira