FELIZMENTE, EXISTE O MOVIMENTO FEMINISTA

Por Isis Reis*

“Infelizmente existe esse movimento feminista, que não sei o que… Muitas mulheres que não são nem mulheres, para falar o português claro”. A fala, todas sabemos, é do jogador de futebol Robinho em entrevista ao UOL, após a repercussão negativa de sua contratação pelo Santos na última semana.

Há 3 anos, o jogador foi condenado em primeira instância na Itália com base no artigo “609 bis” do código penal do país, que se refere a ato sexual violento e não consensual imposto por duas ou mais pessoas (leia-se: estupro coletivo). A vítima, uma jovem albanesa que comemorava 23 anos numa boate italiana, alega que ele e alguns amigos se aproveitaram de seu estado de embriaguez para praticar atos sexuais sem o seu consentimento.

Na semana passada, o Globo Esporte revelou os detalhes da condenação e vazou transcrições dos áudios utilizados pela justiça italiana no processo contra Robinho. Num deles, o futebolista zomba: “Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu”. Não à toa, as pessoas se chocaram com o conteúdo revelado e exigiram que o Santos revogasse o contrato com o jogador.

O trecho inteiro deste diálogo você confere aqui, mas cabe o aviso de gatilho. Em comentários na internet, diversas pessoas afirmaram ficar com o estômago embrulhado depois de ler as falas contidas na matéria mencionada.

Voltemos à fala de Robinho, sobre “mulheres que não são nem mulheres”, um evidente aceno para a plateia conservadora de que seu julgamento moral culpabiliza, sim, a vítima pelo ocorrido. 

O que são mulheres de verdade, então? As belas, recatadas e do lar, que não comemoram seus aniversários em boates, que não bebem e não confraternizam com homens? 

Ou as que fazem tudo isso e apenas silenciam diante de um estupro, esperando não causar nenhum dano na carreira de um jogador milionário, que detém prestígio e poder?

“As mulheres aprendem a se calar para manter o bem-estar dos outros e das relações, mas os homens aprendem a se calar na broderagem, para se manter bem-avaliados por outros homens”, afirmou a psicanalista e pesquisadora Valeska Zanello, que em live do canal Soltos, no YouTube, nomeou a misoginia como o pilar central na construção da masculinidade hegemônica brasileira.

Misoginia esta que, segundo a psicanalista, não se manifesta apenas de formas extremas, como quer crer o imaginário popular, mas também por meio da objetificação sexual constante das mulheres*, desde a mais tenra idade. 

Voltemos mais uma vez à fala de Robinho: o que seriam as mulheres “que nem são mulheres”? As feministas, as que dizem que é absurdo enxergar uma mulher como objeto sexual, muito menos alguém que se encontrava momentaneamente incapaz de consentir em se engajar em qualquer tipo de atividade sexual? As que enxergam mulheres como sujeitos, independente de seu estado de consciência?

Por mais que alegue inocência em entrevistas e esteja pronto para recorrer em segunda instância, ainda na mesma entrevista ao Uol o jogador afirma que “fez coisas de homem e mulher” com a vítima, supostamente com consentimento, fazendo a ressalva de que não houve penetração, portanto não se trataria de um ato sexual. 

A fala, evidentemente falocêntrica e equivocada, deixa margens para a interpretação sobre o que pode ter acontecido no episódio. Porém as transcrições disponibilizadas pelo GE não revelam apenas que Robinho teria participado do ato, mas que em nome da broderagem também mentiu às autoridades italianas sobre a participação de seus amigos no ocorrido e provavelmente pediu que fizessem o mesmo para preservar sua imagem. 

Se Robinho espera que mulheres ofereçam aos homens o mesmo tipo de silêncio conivente que oferece a seus “bróders”, que bom que existe o movimento feminista. Estamos aqui para dizer que mulheres são donas de seus corpos e que a misoginia e estupros não serão tolerados.

* No contexto da live, Valeska Zanello se refere à masculinidade tóxica, misoginia e silêncio presentes em grupos de WhatsApp masculinos. Para uma leitura um pouco mais aprofundada sobre a construção da masculinidade hegemônica brasileira, recomendo o excelente “Saúde Mental, Gênero e Dispositivos: Cultura e Processos de Subjetivação“. 

Isis Reis é formada em Publicidade, e colabora como webdesigner para o Projeto Mulheres Poderosas.