A CENA MAIS LINDA DE THE HANDMAID’S TALE

Por Nathália Oliveira*

Este texto foi originalmente publicado em 23 de abril de 2018 no extinto Medium deste projeto.

Demorei um pouco para ver a série The Handmaid’s Tale. Por causa meu ativismo, muita gente não entendia como eu ainda não tinha assistido e nem escrito nada sobre.

Esse momento chegou. Mas não vou falar sobre a série como um todo. Seria um texto longo e de muitos tópicos para além da questão feminista. Posso até em algum momento me aprofundar nesses temas, mas agora, quero usar a cena que mais me tocou na 1ª temporada para pensar e reafirmar o meu compromisso como contadora de histórias de mulheres.

Quem quiser saber um pouco mais sobre a série, recomendo o excelente texto-análise da Lara Vascouto.

Passamos os 9 episódios da 1ª temporada aprendendo sobre o sistema de privilégios e opressões de Gilead, suas regras e seus atores sociais. Que obrigações competem a quem e quais são as punições aplicadas (ou não) àqueles que fogem às regras.

É assustador ver como tudo o que está ali, na ficção “distópica”, já existe aqui, no mundo real. Seja em menor grau ou, em determinadas sociedades, no mesmo grau. E por isso, em muitos momentos, me senti desmotivada a seguir a série até o final. Não estava dando conta da desesperança que ela me gerou ao longo dos episódios. Até que eu cheguei ao décimo e nele, eu vi a cena que fez tudo valer a pena.

Quase no fim do capítulo, a protagonista, June (Offred), brilhantemente interpretada por Elisabeth Moss, abre um pacote que lhe foi entregue pelo grupo de resistência ao regime da República de Gilead. Ela não conhece o seu conteúdo, apenas sabe que há ali um instrumento de luta com o poder de pôr fim àquela barbárie. E adivinhem o que é esse instrumento? Histórias de mulheres.

Meu corpo se arrepiou da cabeça aos pés. Dentro do embrulho, estão cartas, bilhetes, retratos, e em cada um deles, o nome e o relato de uma mulher submetida à escravidão sexual e servil do sistema machista institucionalizado.

A história das Aias, das mulheres subjugadas e encarceradas, é uma das armas de resistência. Em cada papel, elas dizem seus nomes (que já não são autorizadas a usar) e como foram capturadas.

E é a coisa mais linda ver como June, que faz parte desse mesmo grupo, se emociona e se sente fortalecida por esses relatos. Como a voz de cada uma delas ecoa e vai se transformando em sorriso, lágrima e conforto para a protagonista.

Guardadas as devidas proporções do mundo ficcional para o real (mesmo que em muitos casos essas proporções se igualem), não pude deixar de estabelecer o paralelo entre essa cena e o trabalho que fazemos aqui, no Projeto Mulheres Poderosas. Chegando aos nossos 1 ano e 6 meses de publicações (hoje, quase 4 anos), tenho cada vez mais a certeza de que contar histórias de mulheres é um importante ato de resistência, coragem e um caminho que nos leva a um futuro mais digno e menos desigual.

Dividir nossas dores e conquistas com o mundo nos faz mais potentes e evidencia a nossa união, que já existe. É algo intrínseco ao feminino. Só não é devidamente exercitado.

Se a República de Gilead parece para muitos uma ficção científica, para mim não poderia ser mais próxima de uma realidade que luto para evitar. E pelo visto, usamos as mesmas armas: as nossas histórias.

Nathália Oliveira vive de contar histórias e é a criadora deste projeto.
@anath.oliveira