VOCÊ CONHECE LEYMAH GBOWEE?

Por Nathália Oliveira*

São tempos difíceis para as sonhadoras, não é?

Aqui dentro da minha bolha, a vida parece estreitar-se diante da escalada autoritária do governo Bolsonaro, do genocídio da população negra, da pandemia que já matou mais de 35 mil compatriotas, e que mantém uns reféns em casa ao mesmo tempo em que tantos outros são obrigados a se exporem ao risco.

Com essa lista macabra, o que se pode esperar de nós senão apatia, falta de esperança e cansaço?

Por isso, ontem, no domingo em que muitas cidades brasileiras ardiam em atos pela democracia ou contra ela, eu decidi me distanciar das notícias, que têm me carregado de desespero.

E através desse afastamento, veio ao meu encontro uma faísca de sonho e de inspiração. Me deparei com a história de uma sonhadora, a ativista Leymah Gbowee. Você sabe quem ela é?

Vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2011, Leymah liderou o movimento de mulheres pela paz durante a Segunda Guerra Civil da Libéria em 2003. O país africano, fundado por ex-escravizados estadunidenses no século XIX, foi o primeiro de seu continente a eleger uma mulher para a Presidência da República, em 2006.

O documentário Pray the Devil Back to Hell, das diretoras Abigail E. Disney e Gini Reticker, conta a história da aliança entre cristãs e muçulmanas com o objetivo de ajudar a firmar um acordo de paz entre as violentas tropas governamentais e as facções armadas que aterrorizavam o país. Em uma das primeiras falas da Leymah no filme, ela conta sobre um sonho que teve em que uma voz lhe dizia: “reúna as mulheres de sua igreja para rezar pela paz na Libéria.” E ela fez isso e muito mais.

Graças à união e resiliência dessas mulheres, à sua ação inteligente e focada em reestabelecer a paz pela via diplomática, o país pôde assinar não só um acordo para o fim dos confrontos, mas também para o estabelecimento de um governo de transição e eleições livres, que levaram Ellen Johnson-Sirleaf à Presidência. Ela dividiu o Nobel da Paz com Leymah em 2011.

De repente, conhecer essas grandes líderes que mudaram o curso da história do seu país unindo mulheres em torno de uma causa, apesar da diferença religiosa (e de muitas outras que certamente existiam), se tornou para mim um recado aos meus medos e angústias com o presente em que vivo. Se tornou uma resposta à dúvida sobre se devemos ou não dar as mãos aos diferentes em prol de uma Frente Ampla pela democracia, gravemente ameaçada no Brasil de 2020.

Quando o que está em jogo são valores tão fundamentais quanto a democracia e a paz, a única chance que um povo tem de voltar a sonhar, e até a divergir, é a união em torno desses valores que nos sustentam nesta ainda tão falha civilização.

Trailer do filme Pray The Devil Back to Hell:

Nathália Oliveira vive de contar histórias e é a criadora deste projeto.