Mais uma vez, homens no feminismo

Por Marília Gonçalves*

* texto originalmente publicado no blog da Primavera Editorial

Outro texto de uma mulher para homens interessados no feminismo.

Muitas mulheres já escreveram sobre a participação de homens no feminismo. Muitas mesmo, até demais. Veja bem, não é que esse não seja um assunto importante. É que nós somos estupradas, apanhamos e morremos por sermos mulheres, então se calhar não temos tanto tempo para dedicar à instrução de homens sobre o seu (necessário) papel na desconstrução da estrutura machista.

Colher de chá

Isso mesmo. Eu vou dar uma colher de chá e falar aqui sobre três pontos a respeito da participação de homens no movimento feminista que já foram amplamente abordados por outras mulheres.

  1.         Autocrítica: trabalhe na sua desconstrução

O movimento feminista vai criticar homens. Afinal, são pessoas identificadas como homens as agentes da violência machista praticada contra pessoas identificadas como mulheres (ou outras identificações de gênero não hegemônicas). Também são pessoas identificadas como homens que recebem mais no mercado de trabalho, são infinitamente menos cobradas em vários níveis (profissional, emocional, físico) e, enfim, que concentram os privilégios da estrutura patriarcal. Quando falamos de homens, não necessariamente estamos falando de você.

Se você se pretende um aliado da luta feminista, deveria compreender que é necessário falar de homens. Se você está muito preocupado em não se sentir ofendido quando falamos de homens, você pode não ter entendido de fato os motivos da nossa luta. Neste caso, talvez estejamos falando de você.

Uma das principais coisas que os homens podem fazer pelo feminismo é trabalhar na sua própria descontrução. Pare um minuto, pense com carinho, identifique onde o machismo aparece nas suas atitudes e pensamentos. Se você acha que não é machista em nenhum nível, neste caso estamos MESMO falando de você. Veja bem, até mulheres reproduzem pensamentos machistas – dos quais não deixam de ser vítimas. Como você pode achar que está livre disso?

Se você deseja ser um aliado na luta feminista, trabalhar na sua desconstrução é o mínimo que pode fazer. Portanto, se ao fazer isso surgiu uma vontade de receber muitos parabéns e um senitmento de ser mesmo espetacular, volte uma casa e inclua esse desejo na reflexão de onde você guarda o seu machismo. Na verdade, você também não precisa ficar anunciando a sua desconstrução aos quatro ventos. “Não deixes tua mão esquerda saber o que faz a direita.” (Mateus 6: 3) A bíblia está um pouco fora de moda, eu sei, mas vem a calhar, não?

  1.         Didatismo: oh, God, retirem isso das nossas costas!

Uma das cobranças mais pesadas que recai sobre a mulher é a cobrança maternal, que não se trata só de ter filhos. Nos é cobrada a docilidade, a paciência e o didatismo atribuídos normalmente à figura da mãe. Esperam – e nos cobram – que ensinemos pacientemente os nossos opressores a nos agredirem menos. E, acredite, nós fazemos isso. Eu mesma já sentei à mesa com um amigo que me assediou e disse “não faça isso”. Ele chorou e me agradeceu por dizer. Mas também já gritei com homens que me agrediram e fui considerada excessivamente agressiva por isso. Eu estou exausta de sofrer violência e ser considerada violenta simplesmente pela forma como coloco meus argumentos. Que diabos é violência pra vocês?

Se você é homem e se pretende um apoiador do feminismo, seja didático com seus pares e não cobre didatismo e docilidade das mulheres. Retire isso das nossas costas.

  1.         Protagonismo: das mulheres, senhores, sempre das mulheres.

Sempre, sempre necessário lembrar: quem protagoniza o movimento feminista são as mulheres. Há cinco milhões de textos disponíveis sobre isso, leia a respeito.

Tenha em mente que não é possível fugir do seu privilégio. Enquanto eu sou considerada chata e inconveniente quando faço intervenções sobre feminismo, um homem que faça exatamente a mesma coisa é normalmente considerado alguém que está tentando ser uma pessoa melhor. Que homem sensacional! Isso não depende da sua boa vontade mas do seu corpo, e faz parte do sistema contra o qual nós lutamos. Você também, né? Então, meu caro, talvez você tenha que reconhecer o momento de se calar.

Veja bem, eu nem estou dizendo que você não possa falar sobre feminismo – se você pensou em silenciamento ou censura agora, volte três casas. Eu estou dizendo que, talvez, em uma discussão pública sobre uma pauta feminista em que mulheres estejam presentes, possivelmente sua fala vai sobrepor a delas. Provavelmente, seu argumento vai ser considerado, por muitos, mais sábio, centrado, legítimo. Talvez a melhor forma de apoiar essa discussão seja se calar e ouvir as mulheres. Avalie.

Então você já deu esses passos e continua sendo questionado por mulheres? Bom, lamento informar que isso por muito tempo vai acontecer. O questionamento virá, muitas vezes, pelo que o seu corpo representa e não pelo que você de fato fez ou essencialmente é. Se você pensar direitinho e trabalhar sua habilidade de escuta, verá que nós temos toda a razão de estarmos desconfiadas. Faz parte de ser aliado nessa luta reconhecer também a necessidade de esvaziamento de si. Venham todes e boa sorte!

Dicas, dicas!

Memoh: http://memoh.com.br/

Homens brancos podem protagonizar a luta feminista e antirracista? (Djamila Ribeiro) https://www.cartacapital.com.br/sociedade/homens-brancos-podem-protagonizar-a-luta-feminista-e-antirracista-8328

Masculinidade feminista (bell hooks) https://medium.com/qg-feminista/cap%C3%ADtulo-12-de-feminismo-%C3%A9-para-todos-por-bell-hooks-e36186610b07

Marília Gonçalves é carioca, escorpiana, jornalista, feminista antirracista e doutoranda em Antropologia.