Para as cacheadas do mundo

Por Juliana Coutinho*

Eu queria que a Juliana de 15 anos tivesse visto essa cena.

EXT. PORTA DO SALÃO DE BELEZA – TARDE

Juliana, 22 anos, sai do salão em que acabou de cortar os cabelos. O vento balança seus cachos em câmera lenta. Com a nítida sensação de que todos a observam, ela segue confiante e feliz consigo mesma. Ao fundo, toca a música: “I’ve got the power”.

Sempre achei meu cabelo cacheado um diferencial, mas nunca positivo. Durante muito tempo acreditei que ele não me deixaria pertencer ao grupo de amigas, todas de cabelo liso e magras. Eu era o oposto: gordinha com cabelos cacheados e dois fatores diferentes já era demais!

Lembro de uma vez que minha mãe não me deixou fazer uma escova para a festa da minha melhor amiga e tive que ir com ele cacheado. Meu Deus! Como sofri naquele dia! Todas as meninas com seus cabelos lisos e eu lá, me destoando do bando. Nesse dia, um menino disse que se eu tivesse cabelo liso até ficaria comigo. Naquela época eu nem sabia como reagir a isso e talvez tenha até concordado com ele.

Aos 15 anos, passei a usar o cabelo liso. Ufa! Agora eu me encaixava. Frases como “Esse cabelo combina muito mais com você” ou “Assim não fica com cara de descabelada”, ecoavam através de amigos e familiares, e contribuíam cada vez mais para a criação de uma verdade absoluta: eu havia nascido com o cabelo errado (como se fosse absurdo nascer com algo que aparentemente não pertence a você).

Acho, porém, que os tempos mudaram. Ou fui eu quem mudou? Vejo um movimento grande de valorização do cabelo natural. Minha irmã, que hoje tem 15 anos, não tem vergonha nenhuma dos seus cachos. Outro dia eu e minha mãe a levamos numa festa e das cinco meninas que estavam com ela, quatro tinham cabelo cacheado. O bando da minha irmã é de cacheadas, vejam só!

Desde fevereiro, venho tentando entender esse algo que nasceu comigo mas não me pertencia, o meu cabelo. Parei com toda a química e aos invés de secadores e produtos, comecei a passar afeto. Sim! Afeto.

Com amor, reencontrei aquilo que sempre foi meu. A forma, o tom, o desarrumado que se faz movimento.

Hoje, enquanto eu tinha a nítida sensação que todos olhavam para mim, percebi que não é sobre se seu cabelo é liso, cacheado ou crespo. É sobre algo muito maior. É sobre ser em essência aquilo que se nasceu para ser, mesmo que de vez em quando alguém ache que está desarrumado ou não faz sentido. É sobre essa ideia ventilada (e que continue sendo) de que podemos ser da forma que quisermos ser. É liberdade!

E essa liberdade eu dedico a Juliana de 15 anos e todas as meninas que mostram seus cachos por aí com a certeza de que não há nada de errado em se assumir do jeitinho que se é. E se você não quer usar ele cacheado, tá tudo bem também, você linda do mesmo jeito por ser você.

Juliana é uma cacheada, artista e colaboradora deste projeto.