Pegar roupa emprestada de uma amiga. Lembra?

Por Nathália Oliveira*

Lembra da nossa pré-adolescência? A época em que começamos a frequentar as casas umas das outras não mais para passar o dia brincando, mas para ouvir o último CD da Malhação, ver filmes de terror e nos arrumar para uma matinê?

Lembra que também foi nessa época que começamos a pegar roupas emprestadas umas das outras? Vestidos para festas de 15 anos, uma saia ou aquelas meias coloridas que iam até o joelho.

Não sejamos hipócritas, claro que era porque a gente amava a roupa da amiga mais do que as nossas próprias roupas. Mas também era pelo ritual. O tempo que se gastava juntas para experimentar, opinar e imaginar.

Com a vida adulta, esses momentos viram um passado empoeirado na gaveta da memória. Agora é cada uma na sua casa, suas roupas e seus afazeres. “Na correria”, como dizemos.

Conhecemos as peças do armário da outra via Instagram e até de vez em quando desejamos pedir uma emprestada, mas acaba não dando tempo de ir buscar, e aí “eu vou com a minha mesmo e só não posso postar foto porque em todas do meu perfil estou com essa saia”.

Tá, esse não é para ser um texto entusiasta do consumo desenfreado nem do armário-cápsula. É só para contar que há pouco tempo tive uma manhã que me fez entrar em contato com as memórias que escrevo aqui.

Acordei cedinho numa segunda-feira chuvosa e encontrei Theresa do outro lado da cidade. Tudo para que ela me emprestasse o lúqui que usei no dia da palestra que dei na Cervejaria Ambev. O mais curioso é que acabei pegando uma peça de roupa que é muito parecida com uma que eu já tenho. Um macacão preto. O que prova que, mesmo sem ter consciência disso, eu não tinha me deslocado quase 30km naquela manhã para pegar uma roupa.

Eu me desloquei para comer um pãozinho de queijo com café ao lado de uma grande amiga. Eu me desloquei para falar do sofrimento de ter a minha mãe há mais de 2 meses internada e também para não falar disso. Eu me desloquei porque estar na casa da Tetê me traz certa inspiração e acho que todos os meus grandes projetos (realizados ou não) passaram antes por aquela casa. E só percebi depois que me desloquei esses 28km para viver de novo esse momento da pré-adolescência. Esse momento de troca entre mulheres que parece fútil e ultrapassado, mas que em mim, desperta uma memória afetiva, um elo com a época em que eu nem imaginava que seria uma feminista, em que eu ainda não tinha uma causa. Tinha apenas tempo e sonhos, que hoje são os combustíveis das minhas lutas.

No dia seguinte dessa manhã de café e pão de queijo, a minha mãe faleceu. E eu encontrei a Tetê de novo. Da memória afetiva ao presente mais duro, o fato é que ter passado aquela manhã com uma amiga tão querida fez ainda mais sentido naquele momento.

Tudo por causa de uma roupa emprestada. Lembra?

Nathália Oliveira vive de contar histórias e é a criadora deste projeto.