True Detective e uma pequena vitória

Por Nathália Oliveira*

Uma quinta-feira à noite, como outra qualquer. Eu e meu companheiro sentamos para assistir ao segundo episódio de True Detective. Eu já assisti a primeira temporada inteira, mas achei tão boa, que me disponibilizei para assistir de novo com o Max.

Bem escrita, bem filmada, bons personagens, história de mistério que te prende, True Detective é tudo isso, mas já no fim do primeiro episódio, alguns dias antes, eu comentei com o Max que apesar de ver todas essas qualidades, eu não gosto da forma como as mulheres são representadas nessa série. As que estão no elenco principal são basicamente duas: a esposa e a amante do coadjuvante. Sobre isso, encontrei esse texto excelente que faz uma análise da dicotomia entre as duas o famoso “santa-esposa x puta”. E esse texto da revista The New Yorker onde consta a frase: “To state the obvious: while the male detectives of “True Detective” are avenging women and children, and bro-bonding over “crazy pussy,” every live woman they meet is paper-thin.” [Para constatar o óbvio: enquanto os homens detetives de True Detective estão vingando as mortes de mulheres e crianças, e compartilhando comentários sobre “vadias loucas”, todas as personagens femininas vivas que os rodeiam não têm nenhuma profundidade ou complexidade.].

Quando fiz um comentário a respeito disso, o Max não aprofundou no tema, não perguntou por que eu achava isso e o assunto ficou por aí. Seguimos em frente. No segundo episódio, tem uma cena de sexo entre o coadjuvante e sua amante, que aparece pela primeira vez nesta mesma cena. Em menos de um minuto, a atriz já está totalmente sem roupa. Os dois vão transar e a encenação é construída de tal forma que só ela aparece nua e ele continua vestido do início ao fim. A gente vê os seios dela, a bunda e quase vê a vagina. Ele, e eu vou dizer de novo, continua vestido dos pés à cabeça.

Eu, que já tinha visto a cena, não me incomodei uma segunda vez. Já tinha assistido, já sabia que isso aconteceria e fiquei só observando a luz e a direção de arte, enfim…abstraindo do incômodo que essa cena me causou na primeira vez. O episódio terminou e nada foi comentado entre mim e Max.

Na manhã seguinte, eu pergunto o que ele achou do episódio e se ele está gostando da série. A primeira coisa que ele cita é que ficou incomodado com a cena de sexo entre o coadjuvante a amante. “Por quê?”, eu pergunto. “É muito forçado. Você vê que a cena é feita praticamente para mostrar a mulher nua, o cara fica vestido o tempo todo. Além disso, nesses filmes e séries as mulheres que ficam nuas são sempre perfeitas. Têm corpos perfeitos. Mesmo uma moça normal, do interior dos Estados Unidos, que é amante de um policial, é uma mulher inacreditavelmente linda e logo da primeira vez em que ela aparece, fica totalmente nua. Para quê isso? Eu gosto de ver mulheres lindas nuas, mas é muito forçado, me sinto manipulado.”

Deixo registrado que o Max não tem nenhum estudo de dramaturgia ou audiovisual e nem é um cara “desconstruidão” fora do padrão. Na verdade, eu diria que ele é o público-alvo de uma série como True Detective. E isso faz o fato de ele ter se incomodado com a cena algo digno de nota e otimismo.

Nossa mensagem está ficando raízes e as tradicionais formas de representação da mulher na arte estão se tornando incômodas até para o público a quem se destinam.

Quem me lê pode estar pensando: “mas seu companheiro se relaciona e mora com uma feminista militante”. É verdade, o Max está submetido a uma doutrinação feminista diária há mais de 1 ano. Mas pensa bem, há mais de três décadas ele está submetido à doutrinação e castração machista ininterruptas. Diante disso, escolho ver esse incômodo dele como uma pequena vitória. Vocês não?

Nathália Oliveira vive de contar histórias e é a criadora deste projeto.